Sonolência

Há uma melancolia inerente ao fim do mês de Agosto que me faz pensar que tive umas férias que, na verdade, não tive. E como se, amanhã, a minha vida retomasse um caminho interrompido no início do mês. Não retoma. Na minha vida não há surpresas nem interrupções nem retomas. Na minha vida a vida é sempre igual, sensaborona, repetitiva. Pelo menos desde que acabei os estudos, e Setembro já não é o mês dos cadernos novos, das novas canetas, dos novos lápis, do novo fato-de-treino a estrear, dos novos colegas, novos amigos, novas namoradas. Setembro é só um dia a seguir a Agosto.
Passou mais um Verão e mais uma vez acabei por não convidar ninguém para cá vir comer umas sardinhas. O gin ao fim da tarde, no alpendre, foi solitário como sempre. Os livros acumulam-se em pilhas na sala e no quarto, alguns na cozinha, e não li nada novo. Perco-me entre pequenos nadas e chego ao fim do dia com a sensação de ter perdido o dia, de estar a perder o que me resta da vida.
Cai a noite e com ela aumenta esta sensação de derrota. Sinto-me como se não tivesse feito os trabalhos de casa e nem sequer tenho uma ideia da desculpa para os não ter feito.
É assim que passo os dias, entre a melancolia e a culpa.
Nestes últimos dias varri as imediações e juntei vários montes de folhas e galhos secos, mas tenho de esperar que o tempo arrefeça para queimar tudo. Se lhe deito fogo agora, aparece-me aí a GNR. Mas os gatos passam a vida a saltarem lá para cima e, um dia destes, e se o tempo não arrefecer, tenho de voltar a varrer tudo e refazer os montes.
Tenho passado o dia a bocejar. Talvez seja do tédio deste dia. Há um silêncio de fim-de-mundo. Não há carros a passar na estrada lá em baixo. Nem tenho dado pelos marcos horários na torre da igreja. Mas dou por mim a lembrar a beleza dos muezins a chamarem os fiéis para as orações da madrugada.
Amanhã começa Setembro e é como se não começasse. Amanhã é só amanhã, mais um dia depois de hoje, mais um dia igual ao de hoje.
Este fim-de-semana ainda vai haver uma festa popular numa aldeia aqui perto. É uma das últimas possibilidades de ver, ainda este ano, um espectáculo de Zé Café & Guida. Mas acho que não vou sair de casa. Setembro como Agosto. Manter a compostura. Ficar em casa. Tenho cigarros e vinho. E uma caçadeira.

[escrito directamente no facebook em 2023/08/31]

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