Hoje recebi por um trabalho antigo, de que já nem esperava receber, e fui às compras ao hipermercado. Às vezes, quando parece que as coisas já não podem descer mais, quando já não sei o que fazer, quando já não tenho soluções, cai uma surpresa vinda aos trambolhões ribanceira abaixo para me reequilibrar por momentos. Este pagamento foi uma destas coisas. Se não recebesse, e já não esperava receber, ia ficar com a despensa e o frigorífico vazios por mais uma ou duas semanas. Não fiquei. Pude ir às compras. Gosto mais de ir ao Mercado e comprar produtos directamente ao produtor, mas em tempos de carteiras magras, não tenho escolha e recorro às promoções e aos descontos das grandes superfícies. Fui ao hipermercado atrás dos preços abaixo dos preços e dos produtos prestes a saírem do prazo de validade mas que cá em casa se hão-de aguentar durante o tempo que for possível.
Não havia muita gente no hipermercado. É fim-do-mês. É suposto as pessoas já terem recebido mas, neste mês de Fevereiro houve o Carnaval e o Dia dos Namorados, muitas despesas fora do normal e as pessoas talvez tenham ficado desprevenidas, a minha normalidade diária. Para mim foi óptimo porque pude andar descansado a passear sozinho pelos lineares, há já muito tempo que não ia ao hipermercado, e fiquei fascinado pela oferta. Já não fiquei tão fascinado pelos preços. Corri quase tudo a Marca Branca e vistoriei as promoções todas, mas só trouxe, realmente, o essencial. Não estou em tempos de abundância, embora o pagamento de hoje me tenha deixado desafogado. Mas se não surgir outro entretanto, vou voltar à angústia de sempre.
Oh, vida do caralho!
À vinda para casa parei no café Central, no meio da aldeia. Estava lá gente, mas menos que o habitual. Bebi duas imperiais. Comi um pires de tremoços. Dei dois dedos de conversa. Soube que havia um Sporting-Benfica e que dava em canal aberto, na RTP1. A primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal. Fiquei a saber que as meias-finais se jogam em duas mãos. Para haver jogo nos dois estádios. E para que a Federação faça mais dinheiro. Sempre a porra do dinheiro. No outro dia ouvi que havia dificuldade em remarcar um jogo atrasado do Sporting porque não havia uma data livre. Isto é espremer o limão até à última gota. Só espero que não não se esteja a matar a galinha dos ovos de ouro. Mesmo com todos estes exageros, continuo a gostar de ver um belo jogo de futebol, o que é cada vez mais difícil, nos dias de hoje. Porque os jogos não são interessantes. Às vezes são mesmo um verdadeiro martírio.
Resolvi vir para casa. Para ver o jogo sozinho. Não gosto de ver um Sporting-Benfica no meio da multidão. As coisas podem dar para o torto. E eu já não tenho idade para coisas que deem para o torto.
Vim para casa. Abri uma garrafa de vinho. Pus um chouriço a assar num porquinho de barro, com álcool, cortei duas fatias de pão saloio, e sentei-me na mesa da cozinha com a televisão ligada ao fundo. Comecei a beber e fui petiscando. Enquanto aguardava pelo jogo, resolvi escrever umas palavras sobre o facto de ter recebido por um trabalho antigo sobre o qual já não esperava receber e, por isso, ter ido ao hipermercado encher a despensa e o frigorífico. E que por isso estou a comer e a beber enquanto espero que comece o jogo.
É o que estou a fazer, neste momento. A escrever. Para mostrar que mesmo as vidas miseráveis, têm dias bons.
[escrito directamente no facebook em 2024/02/29]