Estou a ver cada vez pior. Os óculos que uso para ler já não me chegam. Agora também preciso de focar bem as letras para as conseguir ver. Com a luz do candeeiro não consigo ler um livro. Para estar ao computador a escrever qualquer coisa, preciso dos óculos e ando de um lado para o outro com os olhos à procura do melhor ângulo de leitura. Só os tiro quando coloco imagens em tamanho total no ecrã. Mas no iPad já preciso dos óculos outra vez para ver as imagens. No telemóvel os óculos já não me chegam. Às vezes escrevo só palavras que sei digitar de cor. Às vezes essas mesmas palavras vão erradas porque tenho os dedos demasiado grossos para estes mini-teclados feitos para crianças.
Hoje estive a fazer a mala. Tive de a voltar a abrir, depois de fechada, por cinco vezes. Havia sempre qualquer coisa de fora, qualquer coisa esquecida pelo quarto e que eu não via.
Quando finalmente parei, sentei-me à mesa da cozinha e acendi um cigarro. Os olhos pareciam estar a arder. Como se estivessem cheios de ramelas. Fechei-os. Fumei o cigarro de olhos fechado. Acabei por adormecer a fumar e só acordei quando o meu corpo perdeu a compostura e a cabeça tombou sobre a mesa. Foi uma grande cacetada. Abri um lenho na testa. Fiz sangue. Vim ao hospital levar pontos. Vou ficar com uma linda cicatriz na testa.
Agora estou sentado na recepção das urgências a ganhar forças para regressar a casa. Tenho de apanhar um Táxi. Está a chover e não há nenhum disponível na praça do hospital. Já tentei chamar um Uber mas não há rede aqui dentro. Lá fora chove. Dói-me a cabeça e os olhos. Estou a ver tudo desfocado mas não percebi se é da vista ou da pancada.
Lá mais para cima, para o norte, passou a tempestade Gombe e deixou muitos destroços pelo caminho. Amanhã vou viajar para lá, para a área de calamidade. Ainda bem que ando a ver mal.
[escrito directamente no facebook em 2022/03/12]