Nas Sinapses

Os feriados como Domingos. Um enorme bocejo que se inicia de manhã, mesmo antes de colocar o pé no chão depois de esticá-lo para fora do edredão, quando abro os olhos, esfrego-os e maldigo-os porque se abriram sem motivo, porra! é tão cedo e não há nada para fazer nem ninguém à nossa espera, e abro a boca, num enorme bocejo que se prolonga dia fora, até ao momento exacto em que as pálpebras se voltam a cerrar sobre os olhos, cansados de não fazerem nada, nem leram um livro nem viram um filme, não fizeram nada que não olhar o horizonte sem o ver e sem vontade de saber o que é que lá poderia estar a acontecer.
Se olhasse com um olhar mais aguçado, olhar vivaço, olhar curioso de quem quer saber tudo, bem mais que aquilo que já sabe, como quando temos vinte anos e estamos ávidos de tudo, poderia ter visto que lá longe, nesse horizonte para onde passei o dia a olhar sem ver porra nenhuma, poderia ter visto, dizia, a desgraça a abater-se sobre a Terra e as terras que lá existem, terras com casas, gente, cães e gatos, vacas, ovelhas, cabras, galinhas, patos e perus, algumas oficinas, umas fábricas, vários armazéns, uns deles barracões, um campo da bola, uma igreja, a junta de freguesia e uma pequena biblioteca num anexo da junta, o museu do mármore, o cemitério e os cadáveres que foram jogados fora, andaram a boiar pelas redondezas, até apareceram na CMTV, num Alerta CM, vários carros, carrinhas, motorizadas, bicicletas e uma carreira que estava lá parada a fazer horas para voltar à cidade. Não sei quantas pessoas e animais morreram. Quantas casas foram levadas na enxurrada, quantos campos de cultivo foram alagados e que culturas desapareceram e quantas árvores foram arrancadas à força da corrente furiosa, caída do céu em golfadas e lançadas em fúria serra abaixo, levando desespero e morte.
Eu olhei este horizonte e não vi nada. Olhei para o vazio enquanto a realidade era massacrada a cores perante o meu olhar cego e perdido em dias de merda.
Mas isto eu só soube mais tarde, bem mais tarde, quando me levantei a meio da noite na companhia das insónias que não me deixaram pregar olho e me arrastaram até à sala onde liguei a televisão e me inteirei da minha própria realidade. A verdade só existe quando a vemos na televisão. Fora disso é uma ficção criada pela nossa cabeça incapaz de estar quieta a descansar num dia feriado em que não acontece nada, mas onde tudo pode acabar de vez.
Depois ponho-me a pensar na nossa imensa pequenez, perdidos num canto do universo, talvez arrogantemente sozinhos, e pergunto-me quando é que vamos ser esmagados, desintegrados, engolidos por algum buraco negro, ou desfeitos em sinapses de dimensões cósmicas.
Chega-me a angústia que só será desfeita amanhã, quando acordar num dia normal e perceber que, no meu caso, dias normais e anormais, de semana ou fim-de-semana, Sábados, Domingos ou feriados, são tudo o mesmo e que os problemas que me infernizam a vida não estão nos dias, mas sim em mim.
E é nesta altura que tomo um Zolpidem para ver se adormeço e me deixo destas teorias de merda que me fazem ficar mais agitado, ansioso, e com vontade de me deitar de vez e de forma definitiva. É então que, penso, adormeço.

[escrito directamente no facebook em 2023/06/08]

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