As notícias não eram animadoras. Não, as notícias eram assustadoras. Um verdadeiro horror.
O Coiso ia a caminho do Planalto. Já ninguém podia proteger o Brasil. A força, a ignorância e a intolerância estavam, de mãos dadas, às portas do poder.
Mas o Brasil não era o primeiro. Nem seria o último. Era só um dos mais significativos e importantes. Um verdadeiro laboratório.
Uma série de eventos que parecia não terem nada a ligá-los, acabou por se perceber, mais tarde, serem parcelas da mesma equação.
Ao mesmo tempo que o Coiso fazia o seu caminho em glória, uns sauditas esquartejavam um jornalista opositor ao regime de Riade, no interior de um consulado em Istambul, na Turquia, e depois fizeram desaparecer o seu corpo levando-o em várias malas de viagem. Entretanto, um triatleta português era morto pela mulher e o amante dela, em casa, e o seu corpo depositado a mais de cem quilómetros de distância do sítio da morte, tendo, a mulher, nos fins-de-semana seguintes, passeado a luxúria com o seu amante pelo Festival de Paredes de Coura e por Porto Covo. Ao mesmo tempo um antigo Presidente da República Portuguesa editava um livro onde tecia considerações jocosas sobre os actores políticos do momento e o governo italiano fazia ouvidos moucos à Europa sobre o seu Orçamento de Estado. E, no meio de tudo isso, uma série de tempestades tropicais, furacões e vulcões eclodiram um pouco por toda a parte, seguidos de enormes massas polares frias que puseram, em especial a Europa, de sobreaviso. Mas já era tarde.
O que despoletou tudo foi uma série de atentados falhados, na forma de embrulhos armadilhados, enviados a antigos presidentes norte-americanos moderadores, a milionários filantropos e a estações televisivas de noticias. Os embrulhos foram apanhados a tempo pelos serviços de segurança. E foi isto que levantou a suspeita. Mas já era então muito tarde.
Estávamos na antecâmara do terror que vinha instalar-se no Ocidente. O Oriente há muito que estava esmagado, sem o saber. Já desconfiávamos. Mas estávamos embriagados.
Pouco demorou para as milícias começarem a organizarem-se nos vários países da Europa e da América. Através do WhatsApp as forças das trevas organizaram-se e dominaram os países. Primeiro espalharam-se pelo meio do povo. Como Agentes Provocadores. Depois dominaram as várias igrejas, especialmente as evangélicas. Logo de seguida, entraram pela forças policiais e militarizadas, chão fértil. Quando o poder político, o poder burocrático político despertou já era tarde demais.
Eu fui juntando comida. Umas latas. Conservas. Garrafões de água. Armas. Munições. Tentei encontrar-me com outros como eu. Mas não consegui. Estava tudo com medo. Ninguém se manifestava. Ninguém dizia nada com medo de dizer alguma coisa.
O Facebook, o Twitter e o Instagram, outrora tão cheios de revolucionários, estavam vazios de contestação. Voltaram as musiquinhas. Os gatinhos. Os bebés. As frases feitas e erradamente atribuídas a Gandhi e a Einstein.
No fim, acabei por me fechar em casa. Onde estou.
Descobri, finamente, o que todos aqueles eventos tinham a ligá-los. E, se não for apanhado entretanto, vou contar. Vou contar para memória futura. Para perceberem como chegámos aqui.
Agora eles andam de prédio em prédio. À cata de oposição. De gente do contra.
Eu estou aqui em casa. A casa está fechada. A porta da rua está fechada à chave e com os ferrolhos corridos. As janelas têm as persianas corridas, à excepção de uma, um pouco aberta, por onde escuto o que se passa na rua e por onde sai o fumo dos cigarros que me vão fazendo companhia.
Se nada acontecer entretanto, eles vão chegar aqui a casa. Vão abrir a porta da rua e vão descobrir-me. Mas nessa altura levo uma série deles comigo. É por isso que estou aqui no corredor. Barricado. Com as armas que arranjei. À espera. Com medo. Com medo mas decidido. Vou escrevendo tudo o que me lembro dos factos passados. Para que se lembrem. Para que a memória persista. Eu poderei ir, mas vou cá deixar memória. Antes de ir, vão também alguns deles. Antes de ir… Antes de ir mando-os à merda. Mando-os à merda à minha frente.
[escrito directamente no facebook em 2018/10/24]