Sinto Falta de Ar

Estou à entrada de casa, encostado à ombreira da porta da cozinha, e olho lá para fora. Há uma aragem que ajuda a espalhar estes pólenes que me estão a dificultar a respiração. Pareço ter os pulmões cheios. Não consigo lá levar muito ar. Nem consigo aguentá-lo lá por muito tempo. Entra e sai. Rápido. Apito. Incomoda-me o apito. Pareço ter uma sanfona no peito. Irrita-me e envergonha-me quando estou com outras pessoas. Não é o caso agora. Estou sozinho. Não me envergonho pelo barulho que faço ao respirar, mas incomoda-me. Dá-me cabo dos nervos. E quanto mais nervoso, com mais bronquite. As desgraças alimentam-se umas às outras.
A noite já caiu. O tempo arrefeceu. Já vesti um casaco de algodão. Tirei os calções que usei durante o dia e vesti umas calças de fato de treino, mais quentes. Já estou arrependido de ter arrumado as sweat-shirts. Ainda vem aí muito frio. E chuva. Mas todos os anos é assim, não é? Todos os anos penso o mesmo. Que o Verão chega quando chega a Primavera e o que acabo por perceber é que o Inverno não se vai embora com a chegada da Primavera. A promiscuidade entre as estações do ano leva-as a anularem-se, umas vezes, a e conviverem, outras vezes. Agora está tudo a acontecer ao mesmo tempo. É Primavera, Verão e Inverno, no mesmo dia. E isso dá cabo de mim e da minha bronquite. Parece que começo a respirar pelo estômago e a barriga incha. Os pulmões trocam com o estômago. Os pulmões deixam de funcionar, ou funcionam mal.
Entro para dentro de casa e fecho a porta da cozinha. Ando às voltas pelas divisões.. Não sei o que fazer. Não tenho paciência para fazer nada.
Vou deitar-me. Coloco uma almofada alta para poder ter a cabeça mais levantada que o corpo. Tomo duas bombadas de Trixeo. Devia prender a respiração por quinze segundos, mas não consigo. Assim que disparo a bomba, volto logo a deitar tudo fora.
Deito-me. A cabeça elevada. Viro-me para um lado. Viro-me para o outro. Não consigo respirar. Levanto-me e sento-me na cama. Agarro no Ventilan e também faço dois disparos. Não consigo prender a respiração mas sinto que vai mais fundo em mim. Sinto-me acalmar um pouco.
Deixo-me ficar sentado na cama. As costas nas almofadas. Começo a respirar melhor. Já não apito tanto. Mas deixo-me ficar assim, sentado na cama. Sinto-me adormecer.
Já devo ter adormecido. Tudo me parece irreal. Estou não-sei-onde. A fazer não-sei-o-quê. Estou a respirar, tão bem como se já não tivesse bronquite. E se calhar não tenho mesmo. Ou então, estou mesmo a dormir. Se calhar, a sonhar. E que raio de conversa é esta? O que é que estou a dizer? A escrever? Isto interessa a quem? Que porra, pá!
Começo a tossir. Começo a tossir e sinto-me despertar. Estou sentado na cama. Volto a ter dificuldade em respirar. A tosse fez voltar tudo ao início. Tento voltar a prender a respiração, como um placebo. Para tentar acalmar. Recuperar a respiração. Não maldizer a minha vida. Mas não me sinto muito optimista.

[escrito directamente no facebook em 2023/04/08]

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