O que É que isso Importa?

No filme Dario Argento: Panico de Simone Scafidi, um documentário sobre a importância da obra do realizador italiano, mestre do giallo, Asia, sua filha, diz que
Quando ganhei o prémio David di Donatello (o mais importante prémio cinematográfico italiano, atribuído pela Academia de Cinema Italiano), eu tinha dezoito anos (foi o primeiro David di Donatelli que ganhou, em 1994, e que voltaria a ganhar dois anos mais tarde, em 1996), voltei para casa com esse prémio nas mãos e o meu pai que, enfim, é um dos melhores realizadores italianos de todos os tempos, nunca tinha ganho, nem nunca tinha sido nomeado, claro que veio a ganhar mais tarde (em 2019), como prémio pelo conjunto da sua obra, bom, mas eu fui para casa, olhámo-nos nos olhos, eu com o prémio na mão, e ele disse Bem, isso não importa nada! E isso libertou-me bastante porque, na verdade, o que é que isso importa, os prémios? Quem é que se importa com os prémios? E esta foi uma das lições mais importantes que ele me deu. É que não são as recompensas. É o trabalho. O trabalho que fazes é que é o mais importante. O verdadeiro prémio é poderes fazer um filme. É como um milagre poder fazer filmes, hoje mais que nunca!
E sim, é esse o motivo de fazermos o que fazemos. O podermos fazer. Claro que o reconhecimento externo nos faz bem, afaga o ego, limpa-nos de determinadas angústias, mas o que realmente interessa para quem produz arte, obras de arte, para quem faz cinema, escreve livros, pinta quadros, esculpe materiais, molda o barro, toca uma música, é o poder fazer o que se faz independentemente de prémios e de palmadinhas nas costas. Mesmo contra as vozes contrárias e destruidoras, que as há sempre. Os críticos. Os estudiosos. Os legalistas. Os invejosos. Os ignorantes. Os puristas. Os insatisfeitos. Há sempre quem diminua a obra e o seu autor. Porque não se chega ao Olimpo. Mesmo que às vezes não é a chegada ao Olimpo o mais importante. Há quem não reconheça o mérito, o valor, a intensidade da obra. Há quem não consiga ver para além da superfície. Há quem não entenda o erro, a impureza, o rasurado. Às vezes têm razão, os detratores. Porque há obras que não se encaixam num determinado lugar, numa determinada época, numa determinada estética que lhe dê suporte académico, porque uma das maravilhas da arte é a sua infinita capacidade de abrir portais do tempo e transportar-se para planos futuros, sofrendo no presente as agruras da incompreensão. A arte não tem de ser bela nem bonita, embora o possa ser. A arte deve questionar, agitar, provocar, alimentar, embriagar, pegar em nós e destruir todas as nossas crenças tão religiosamente (pre)concebidas.
Fazem-se filmes que ninguém vê. Livros que ninguém lê. Discos que ninguém escuta. Quadros que ninguém aprecia. São o terror do primado da finança. Não têm valor económico, logo não existem, não têm valor cultural e/ou artístico. Tudo reduzido a zeros e uns, sim e não, bom e mau, dia e noite, certo e errado.
A arte serve, antes de mais, para exorcizar o que nos vai na alma, o que nos atormenta, mesmo que sejam coisas boas. Também há que precise da luz. Outros das trevas. Mas acima de tudo, de criar. Criar e jogar fora, no mundo, e deixar que o mundo o veja se quiser. Se não quiser, não é obrigado a ver. Talvez alguém o descubra no futuro. Não seria a primeira vez. Nem a última. O importante é vomitar fora. Porque é que acham que me sento aqui, todos os dias, a escrever coisas, algumas delas sem qualquer sentido aparente?
Quando Dario Argento realizou o seu primeiro filme, os produtores queriam outros realizadores e guerrearam por caminhos que não os escolhidos pelo jovem realizador. Para todos os efeitos, Dario Argento estava queimado para todos eles. O dinheiro manda, o dinheiro sabe, o dinheiro é o oráculo do futuro. Quando o filme foi o sucesso que foi, chegando a liderar as entradas nos Estados Unidos e a fazer muitos milhões de lucro, lá vieram as palmas de quem tinha apupado e as eternas palmadinhas nas costas.
Um artista está artista. O resto do mundo continua a girar nas suas vidas. Nascem, vivem, morrem. E depois? Afinal, o que é que andámos por cá a fazer?

[escrito directamente no facebook em 2024/06/01]

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