Céu Amarelo

O céu está amarelo. Amarelo vivo. Fico sempre à espera de uma invasão alienígena. Ponho-me a olhar para cima a ver se os vejo. Quero estar preparado para quando chegarem. Se aparecer agora aí um deles, tenho tempo para correr até ao guarda-roupa e agarrar na caçadeira que lá está à espera, dois cartuchos prontos a receber bem quem vier por mal.
O céu está amarelo, uma coisa assim pastel, não sei porquê. E não aparece nenhuma nave espacial, nenhum alien, nada. Porque raio está o céu amarelo?
Não há sol, já é fim-de-dia, mas ainda há luz do dia. Uma luz amarelada, reflexo daquele amarelo no céu que não sei de onde é que terá vindo. Também não chove. Não está frio. Também não está calor. E não é Carnaval.
Que estranho, falar de uma coisa por aquilo que ela não é em vez de falar dela por aquilo que ela é.
Tenho esta obsessão por alienígenas não sei porquê. Já vem da adolescência e de toda aquela leitura de livros da Europa-América de continentes perdidos, povos que vieram do espaço e lembranças de vidas passadas. Um dia houve alguém que me disse que eu devia ter morrido afogado numa vida anterior por hoje ter bronquite. Eu fartei-me de rir, até porque sou um nadador razoável. Mas, às vezes, dou comigo a pensar nisso, no que ela me disse. Outra vez outro alguém ao ver as linhas da minha mão disse que eu ia ter uma vida de merda. A verdade é que não tem andado longe da verdade. Penso muito nisso, também. Depois bebo uns copos de Martha’s e isso passa.
Desses anos trouxe comigo alguns mistérios por resolver. Afinal, onde era a Atlântida? Segundo Platão, haveria de ser num resto do Mediterrâneo, para além das Colunas de Gibraltar, antes de entrar no Atlântico. E Mú? Sempre terá existido, esse continente, lá mais para o sul? E o que é que a Ilha da Páscoa tem a ver com isso? E sempre eram os deuses astronautas? E andaram por terras Incas e Aztecas? E os Maias? Porque raio andaram a construir pirâmides na selva e a sacrificarem jovens virgens? E os OVNI? Existem realmente visitas de seres de outros planetas ou são objectos voadores chineses? Só mistérios que me ocuparam a cabeça na adolescência e que, de vez em quando, regressam e massacram-me na minha ignorância. Continuo sem respostas. Às vezes procuro esses livros que li na adolescência, mas desapareceram quase todos. Já ninguém quer saber. De vez em quando recuperam Nostradamus e as suas profecias, mas é a única coisa que volta ciclicamente quando há grandes crises. Eu fumo um charro e a conversa comigo próprio agudiza-se. E já agora, porque é que o céu está amarelo?
Sim, porque é que o céu está amarelo? Porque é que continua amarelo? E não é um céu em fogo. É mesmo amarelo, amarelo gelatina de ananás. O céu coberto de nuvens e as nuvens estão amarelas. O céu parece uma papa Nestum com Mel, coisa que sempre odiei. E agora que falo nisso, sinto aquele cheiro adocicado do Nestum e chega-me um vómito à garganta. Sou muito sensível. Engulo o vómito e fico mais enjoado.
Volto para casa e vou para a sala. Coloco The White Heat de Raoul Walsh no leitor de DVD. Preciso de algo real e concreto na minha vida. E nada melhor que um film noir de Raoul Walsh. Aqui não há céus amarelos nem alienígenas. Só os bons e velhos bandidos simpáticos, anti-heróis do nosso contentamento, cujas vidas terminam (quase) sempre mal. Mesmo que no topo do mundo: Hey Ma, I’m in the Top of the World!

[escrito directamente no facebook em 2022/10/22]

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