Anish Kapoor

Gosto do Anish Kapoor.
Não sou amigo dele. Não o conheço pessoalmente. Nunca o vi. Nem, tão-pouco, sei como é que ele é.
Pronto, fui ao Google e agora já sei como é que ele é. Um indiano, mais velho que eu, de cabelos brancos e com ar simpático.
Gosto do Anish Kapoor, pronto.
E ainda bem que não o conheço. Geralmente tendo a não gostar de pessoas. Das pessoas que conheço. Por defeito, não gosto delas. Ainda bem que não conheço o Anish Kapoor.
Assim não lhe vejo os defeitos. Os erros. As mentiras (se bem que nalgumas das suas obras…).
Quando não conhecemos as pessoas, não pensamos que também vão à casa-de-banho como todos nós. Que também têm caspa. Fazem merda. Cospem no chão. Dizem asneiras. Gritam contigo.
Quando não conhecemos as pessoas, elas são de cristal. Perfeitas. Puras. Maravilhosas.
É por isso que gosto do Anish Kapoor.
Porque não o conheço.
E pelo que me faz sentir com o seu trabalho.
Em Works, Thoughts, Experiments em exposição no Museu de Serralves, Anish Kapoor leva-me de mão-dada pelo meu imaginário pop de ficção-científica dos anos ’70, que acho que também foram dele, e materializa todo o sonho que eu tive ao ler as páginas de Eternus 9: Um Filho do Cosmos de Victor Mesquita, Wanya: Escala em Orongo de Augusto Mota e Nelson Dias, Axle Munshine: O Vagabundo dos Limbos de Christian Godard e Julio Ribera, Valérian: Agente do Espaço-Tempo de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, sem esquecer Barbarella de Jean-Claude Forest. São estórias ambientadas em mundos futuristas de traços retro. E é isso que Kapoor me mostra nesta sua exposição de maquetas que tem vindo a construir nestes últimos quarenta anos. Objectos redondos, arredondados, circulares, sem arestas, sem golpes, sem linhas de corte. São objectos que gritam Mãe. São interpretações da Origem do Mundo. Como seios. Como vaginas. Somos dados à luz e somos alimentados. Em mundos de perfeição arredondada. De rasgos na terra como feridas abertas à espera de serem fecundadas. De cicatrizes que não saram e vão derramando o seu pus virulento que, camada após camada, criam mundos. Mundos de sonho. Belos.
Eu vejo estas maquetas e sinto os olhos a brilhar de desejo. Tenho vontade de enfiar as mãos na terra das construções orgânicas de Anish Kapoor e sentir-me em harmonia com ela. Com elas. A terra e as obras. A vida. Enfiar as mão e espremer a terra, moldá-la, criar, dar vida. Foda-se que isto é tanto. E tão intenso. É uma trip de heroína.
Saio para a rua. Para a luz do dia. Coloco os óculos escuros. E descubro o Anish Kapoor solar. O das obras dimensionadas para os belos jardins de Serralves.
A monumental Sectional Body Preparing for Monadic Singularity que parece preparar a explosão de um som que irá rebentar-me com os tímpanos mas, ao mesmo tempo, elevar-me aos sonhos (um dia sonhei que estava a correr, todo nu, dentro de um ouvido pútrido, estória que já escrevi para as Estórias da Violência, e ao ver esta obra, pareceu-me ver esse ouvido a escorrer pus pelos seus buracos multi-dimensionais e a transportar-me, como através do Buraco da Minhoca, ao longo do Multiverso).
Depois cruzo-me com a subida aos céus de Language of Birds, uma espécie de Torre de Babel em miniatura que serve para falar com outras entidades – há até um Chamador de Aves que, uma vez por semana, sobe as escadas e chama os pássaros. Fala com eles. E é impossível não ver aqui a mão de Deus.
E deixo-me embriagar pelo Descent into Limbo, onde se vê o que não existe ou, por outro lado, não se vê nada do que lá está. Há um buraco, mas não o vemos. Mas acreditamos que ele lá está porque nos dizem que Sim, senhor, está aqui um buraco redondo, com três metros e tal de diâmetro e uma abertura de um metro e tal e até já lá caiu um homem que não acreditava no que não estava a ver. E depois abre-se a porta da rua, o sol entra no buraco que come a luz, os seus raios, e a negritude torna-se azul, como o azul dos tuaregues, e finalmente acreditamos na mentira e sim, o buraco está lá, mas não o vemos, só o sentimos quando a luz nos dá a cor do nosso desejo.
É por isto que eu gosto do Anish Kapoor.
Pelo que me faz sentir.
E ainda bem que não o conheço.
Porque assim, posso mesmo gostar de gostar dele.

[escrito directamente no facebook em 2018/09/06]