Estou a Dar o Berro

Falta-me o ar. O calor que se faz sentir, dificulta-me a respiração. Tomei o Trixeo de manhã, quando me levantei. Também já tomei o Ventilan. Tomei banho de água fria que, afinal, era tépida. Sentei-me numa cadeira da cozinha, porque é mais alta, faz-me ficar mais direito e facilita-me o respirar. Mas fez-me doer as costas. Muito tempo sem me encostar como deve ser. Fiquei com as costas tortas e doridas. Estiquei-me e as costas estalaram. Vim para a sala e sentei-me no sofá. Aos poucos, o rabo está a dar lugar ao cóccix. Tenho tendência a escorregar e a quase-deitar-me, em vez de estar sentado. Mas esta posição dificulta-me ainda mais a respiração. Fico mais baixo, quase deitado. Mas preciso de aliviar as costas. Entre a falta de ar e a dor nas costas, agora, neste momento, neste preciso momento em que estou a escrever isto, as costas levam vantagem. É delas que tenho de tratar. Vou aguentando a falta de ar. Ao longo de todos estes anos de convivência com a bronquite, já me habituei a lidar com ela. Não aguento a dor nas costas. São mais intensas, mas acabam mais depressa que a falta de ar. Já tomei um Ben-U-Ron e um Voltaren. Bebi água da torneira. Estava um pouco quente. Coloquei um jarro com água da torneira no frigorífico. Para mais tarde.
Apetecia-me fumar um cigarro. Mas agora não posso. Sou estúpido, ou quê?
Ligo a televisão para deixar de ouvir esta pieira em que se tornou a minha respiração. É um som irritante. Que me desespera. Que me obriga a tossir para tentar afastá-la da mim. Mas é impossível. A pieira não pára, não me larga. Inspiro e faço barulho. Expiro e faço barulho. Faço sempre barulho. Levanto o som da televisão. Ponho o som da televisão sobrepor-se à pieira. Agora é o som da televisão que me irrita. Está demasiado alto.
Levanto-me e caminho pelo corredor. Abro a boca muito como se pudesse abocanhar mais ar de cada vez. Vou até ao quarto. Olho para a rua. Se for lá para fora, deixo de ouvir a pieira. E o ar fresco faz-me bem. Mas quero ir para a rua? Para o meio de toda aquela poeira? Está uma ligeira aragem, o suficiente para levantar o pó do campo. Não. É melhor estar quieto. Deixa lá estar o ar fresco. Que fique a fazer companhia à poeira.
Regresso à sala. Volto a sentar-me no sofá. Não levanto os pés para a mesa de apoio. Fico sentado, direito, com os pés no chão. Tento não me deixar descair. Fico sentado direito, recto. Quero que o tempo passe depressa. Quero que a respiração volte ao normal. Ou ao mais normal possível. Vejo as horas. É ainda muito cedo para voltar a tomar outra vez o Ventilan. Tenho de aguentar. Tenho de aguentar.
Fecho os olhos. O som da televisão, apesar de muito alto, embala-me. E eu vou no embalo. Deixo de ouvir a pieira. E começo a ouvir o som da televisão cada vez mais longe, cada vez mais longe, muito distante, até desaparecer.
Estou no vazio. Está tudo escuro. Há um enorme silêncio. Não vejo nada. Não ouço nada. Não há vida. Não há nada… Nada…

[escrito directamente no facebook em 2024/06/02]

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