Então, É Assim que Acaba?

Então, é assim que acaba?
Duas pessoas, uma em frente à outra, um mundo inteiro a separá-las, olham-se nos olhos, têm um vislumbre de vidas passadas, memórias perdidas, há uma certa tristeza no ar, mas viram costas, ela vira costas, ele fica a vê-la ir embora e quando ela já está longe, longe o suficiente para já não voltar atrás, ele vira costas e também vai embora por sua vez, no preciso momento em que ela se volta e já não o vê, ele perde-se entre todas as outras pessoas do universo, alheias aos pequenos dramas pessoais, cada uma delas a cuidar do seu pequeno pedaço de mundo que irá meter a máquina gigantesca do universo a funcionar como um relógio suíço, mesmo que esta separação traga peças oxidadas para o meio do rigor e da boa funcionalidade cósmica como engrenagem bem oleada e bem pensada, não tendo em conta o livre-arbítrio e as neuras da humanidade.
Ele sou eu. Ela é ela. Estou em frente dela. Ela falou. Eu ouvi. Eu não disse nada. Ela não teve nada para ouvir. Ficámos cada um do seu lado. Eu aqui, ela ali. Nós, que já fôramos um, que já tivéramos os corpos colados, cosidos, misturados um no outro, o que é meu é nosso e o que é teu também, tínhamos quatro mãos, quatro pés, duas cabeças, um só coração a bater pelos dois, agora estávamos separados por galáxias em fogo.
Já não me lembro do que ela disse. Acho que não cheguei a ouvir. Não, não ouvi. Devia ter ouvido. Mas quando ela falou, eu estava a pensar no porquê. Porquê esta distância? Porquê a mão dela não está sobre a minha? Porquê a cabeça dela não está tombada no meu ombro?

coloca a cabecinha no meu ombro e chora

Não está sorridente. Não parece feliz. Também não está zangada. Está distante. É isso. Distante. Já não está aqui.
Ficamos muito tempo em frente um do outro. Eu à espera que ela avance um passo ou dois. E me abrace. Ela à espera que eu não dificulte mais tudo isto. Talvez seja sido isso. Na verdade não sei. Não estou aqui. Quero dizer, estar estou, mas não estou. Não quero estar. E fujo. Dou a volta ao mundo para protelar a separação. A ausência dela.

vamos dar a volta ao mundo e gritar

Depois ela suspira. Talvez seja um suspiro. Talvez seja um soluço. E vira costas. Perante a minha passividade, ela age. Vira costas e vai-se embora. Eu fico aqui parado. No mesmo sítio onde estava. Há espera de qualquer coisa. Que ela volte para trás, sei lá! Que o mundo acabe e tudo aquilo deixe de ter qualquer importância. Fico aqui a vê-la ir-se embora. Fico até me cansar de esperar o que sei que já não vai acontecer. Ela já não volta. Acabou. Acabou mesmo. É assim que acaba. E então, viro costas e vou também embora. O peso de um mundo azedo e podre em cima de mim. Mergulho entre os outros. É isto a depressão? Sentir-lhes o cheiro para esquecer o meu medo sem conseguir esquecê-lo? Não me viro mais. E por isso não vejo quando ela se volta, já tarde, já depois de terem passado muitos universos entre mim e ela, e ela também já não me vê. Terá ali havido uma centelha de arrependimento? Uma última e ínfima vontade de voltar atrás?
Não. Ela vai. Eu fico, mas acabo também por ir. Vamos os dois. Cada um à sua vida. Cada um para seu lado. Ela à procura da felicidade. Eu a tentar sobreviver. Um de nós haveria de se dar bem na vida. E não fui eu.

[escrito directamente no facebook em 2024/06/14]

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