As Festas dos Outros Passam por Mim

Não sei o que estou a fazer aqui. A música está em altos berros. E não é o meu tipo de música. O que é isto? Funk brasileiro? Eles estão todos a dançar da mesma maneira, como robots. Ela também. O que é que eu estou a fazer aqui?
Estou numa festa de aniversário. A festa é de uma amiga dela. Ela disse
Vamos a um aniversário.
e eu vim, viemos, vim com ela. Ela encontrou logo amigas. Ficaram a falar no meio da festa. Eu vim para o balcão. Gosto de balcões. Estou sempre salvo quando encostado a um balcão. Mal o vi, depois de ter entrado e ter levado logo um estalo de um regggaeton de festa de universitários, virei-me para ela e disse
Vou até ao balcão.
Abrindo caminho para que ela se sentisse livre para estar com as suas amigas e não se preocupasse comigo. Não gosto de ser o centro das atenções. Nem dela. Gosto que se sinta livre para fazer o que quiser e não estar preocupada comigo. Sei também que não vale de nada. Ela vai estar sempre com as amigas, mas fica sempre a olhar para mim, preocupada, que eu esteja a deprimir, a apanhar uma enorme seca num ambiente que não é o meu. E eu sempre a dizer-lhe
Está tudo bem. Descontrai.
e ela finge que descontrai. Mas nunca descontrai por completo. Há sempre uma teia de culpa a rodeá-la
Não devíamos ter vindo.
Estás a apanhar seca.
Estás bem?
Queres ir embora?
Está tudo bem? De certeza?
Vai lá fora fumar um cigarro.
Por mais que eu lhe garanta que fizemos bem em ter vindo por causa dela, que não estou a apanhar seca, gosto de ver as figuras que as pessoas fazem depois de beberem uns copos a mais (e eu já tive a minha dose, aliás, às vezes ainda tenho), do ponto de vista antropológico, que estou mesmo bem, que não me quero ir embora, de certeza, sim, estou mesmo bem, claro, e sim, vou lá fora fumar os cigarros que quiser quando quiser. Quero que se descontraia. Foi para isso que viemos. Para ela se descontrair e divertir-se um pouco com outras pessoas. Se eu fosse ela estaria farta de me aturar. Estar sempre e só comigo não é algo que se deseje a ninguém. Às vezes até eu tenho dificuldade em aturar-me.
Mantenho-me encostado ao balcão. Já bebi duas imperiais com pouco gás; um copo de vinho branco a que não voltei porque era muito doce; outro copo de sangria de maracujá feito com um espumante barato e sem frutas. Para já, encontrei satisfação no gin. É um Gordon’s. É o que há. Melhor que nada. E o limão é espremido.
Ela aparece ao meu lado. Sinto o braço dela a entrelaçar-se no meu. Dá-me um beijo. Traz-me um croquete com um fio de mostarda por cima. Dá-mo à boca e eu engulo-o de uma só vez. E insiste
Está tudo bem?
e eu repito, à exaustão
Está. Está tudo bem. Tenho o que beber, está tudo bem.
enquanto lhe sorrio. E ainda lhe digo
Vai lá divertir-te.
e agarro-lhe a cara com as duas mãos e dou-lhe um beijo. Sorrio-lhe de novo enquanto lhe olho nos olhos. E ela vai. E eu vejo-a ir. E depois, volto a virar-me para a parede em frente ao balcão, à procura de pequenas rachas que mal se vêm.

[escrito directamente no facebook em 2024/05/31]

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