O Medo Está nas Ruas

O puto aparece à minha frente a gritar
Medo! O medo está nas ruas! Fujam, fujam!
Eu páro a olhar para ele. Ele olha para mim. Não sei o que dizer. Ele vira costas e desata a correr. Vou atrás dele. Há mais gente a correr atrás dele. Ele pára numa rua. A meio de uma rua. Há gente sentada em cadeiras do mobiliário urbano. Parecem à espera. À minha espera. À espera que todos nós cheguemos. E as pessoas chegam. As pessoas param. Eu também páro. Esperamos. Esperamos para ver o que é que está a acontecer. O que é que está a acontecer?
Um tipo bem vestido, de fato e gravata, de palavra fácil, discurso polido mas populista, garante estar ali para ajudar as pessoas contra as chatices do dia-a-dia. Duas raparigas, proprietárias de uma loja de ideias são mortas logo ali, à nossa frente.
Ninguém quer saber de ideias, diz. O povo quer é liberdade, não ideias.
E, depois, arranca rua abaixo. E segue tudo rua abaixo. Uns atrás dos outros. Todos nós atrás deles. Dos que nos conduzem. Vamos entre o medo e a demagogia.
Fui apanhado num teatro de rua itinerante. Um teatro de gente nova. Alguns deles alunos de liceu. Todos a representarem a sua personagem. Elementos unitários de um todo colectivo.
A cada paragem na cidade, uma cena. Um pedaço de estória. Mudam as personagens. Adensa-se a trama. Constrói-se uma ditadura. Esqueci o que queria fazer e deixei-me ir com a maralha. Rua abaixo. Engolido pela cidade.
Gosto de cidades vivas e vividas. Não gosto das cidades showroom.
Na última paragem o desenlace. O mal é castigado. O bem prevalece. O povo revolta-se e mata o ditador. As pessoas respiram de alívio e riem-se. Os actores juntam-se, dão as mãos uns aos outros e agradecem as palmas. As pessoas não regateiam palmas. Podem não ter dinheiro, mas oferecem palmas. Reconhecem o trabalho. A arte. E agradecem. Eu também agradeço. Bato palmas até ficar com as mãos vermelhas.
As pessoas começam a dispersar. Eu acendo um cigarro. Encosto-me a um varandim de pedra. Vejo as pessoas a juntarem-se em pequenos grupos e a conversarem. Vejo as pessoas a debandarem. Vejo os miúdos contentes com o seu trabalho. Olho o céu. O sol está alto. Ainda é cedo. O dia está ainda para durar. Ainda tenho tempo para ver as exposições que vim ver. E alguns concertos punk. Já ouço uns acordes. Largo o cigarro e arranco por uma rua qualquer, cidade acima (agora é a subir). Ao mesmo tempo, no caminho, procuro um sítio para comprar umas cervejas. Estou cheio de sede. A arte faz sede. Sigo atrás da música. Cerveja e música. Ah, se eu tivesse um charro!…

[escrito directamente no facebook em 2024/05/30]

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