Estou a Dar o Berro

Falta-me o ar. O calor que se faz sentir, dificulta-me a respiração. Tomei o Trixeo de manhã, quando me levantei. Também já tomei o Ventilan. Tomei banho de água fria que, afinal, era tépida. Sentei-me numa cadeira da cozinha, porque é mais alta, faz-me ficar mais direito e facilita-me o respirar. Mas fez-me doer as costas. Muito tempo sem me encostar como deve ser. Fiquei com as costas tortas e doridas. Estiquei-me e as costas estalaram. Vim para a sala e sentei-me no sofá. Aos poucos, o rabo está a dar lugar ao cóccix. Tenho tendência a escorregar e a quase-deitar-me, em vez de estar sentado. Mas esta posição dificulta-me ainda mais a respiração. Fico mais baixo, quase deitado. Mas preciso de aliviar as costas. Entre a falta de ar e a dor nas costas, agora, neste momento, neste preciso momento em que estou a escrever isto, as costas levam vantagem. É delas que tenho de tratar. Vou aguentando a falta de ar. Ao longo de todos estes anos de convivência com a bronquite, já me habituei a lidar com ela. Não aguento a dor nas costas. São mais intensas, mas acabam mais depressa que a falta de ar. Já tomei um Ben-U-Ron e um Voltaren. Bebi água da torneira. Estava um pouco quente. Coloquei um jarro com água da torneira no frigorífico. Para mais tarde.
Apetecia-me fumar um cigarro. Mas agora não posso. Sou estúpido, ou quê?
Ligo a televisão para deixar de ouvir esta pieira em que se tornou a minha respiração. É um som irritante. Que me desespera. Que me obriga a tossir para tentar afastá-la da mim. Mas é impossível. A pieira não pára, não me larga. Inspiro e faço barulho. Expiro e faço barulho. Faço sempre barulho. Levanto o som da televisão. Ponho o som da televisão sobrepor-se à pieira. Agora é o som da televisão que me irrita. Está demasiado alto.
Levanto-me e caminho pelo corredor. Abro a boca muito como se pudesse abocanhar mais ar de cada vez. Vou até ao quarto. Olho para a rua. Se for lá para fora, deixo de ouvir a pieira. E o ar fresco faz-me bem. Mas quero ir para a rua? Para o meio de toda aquela poeira? Está uma ligeira aragem, o suficiente para levantar o pó do campo. Não. É melhor estar quieto. Deixa lá estar o ar fresco. Que fique a fazer companhia à poeira.
Regresso à sala. Volto a sentar-me no sofá. Não levanto os pés para a mesa de apoio. Fico sentado, direito, com os pés no chão. Tento não me deixar descair. Fico sentado direito, recto. Quero que o tempo passe depressa. Quero que a respiração volte ao normal. Ou ao mais normal possível. Vejo as horas. É ainda muito cedo para voltar a tomar outra vez o Ventilan. Tenho de aguentar. Tenho de aguentar.
Fecho os olhos. O som da televisão, apesar de muito alto, embala-me. E eu vou no embalo. Deixo de ouvir a pieira. E começo a ouvir o som da televisão cada vez mais longe, cada vez mais longe, muito distante, até desaparecer.
Estou no vazio. Está tudo escuro. Há um enorme silêncio. Não vejo nada. Não ouço nada. Não há vida. Não há nada… Nada…

[escrito directamente no facebook em 2024/06/02]

Comichões

Coço a cabeça. Às vezes pareço ter piolhos. Não tenho. Quando era miúdo, tinha caspa. Ao fim de alguns anos a usar Linic, deixei de ter. Mas, às vezes, tenho muita comichão na cabeça. Já pensei se seria psoríase. Não é. Mas tenho comichão. Não é sempre. Às vezes. Hoje é uma dessas vezes.
Pode ser do sol. Apanhei sol. Talvez o sol tenha queimado o couro e ele esteja a pelar. Não está. Também pode ser das poeiras. Há muito pó no campo. Às vezes, uma leve aragem, levanta uma poeira dos diabos. Tenho as janelas de casa sempre abertas. Tenho redes mosquiteiras por causa das moscas e das melgas. Tenho as janelas sempre abertas. O pó entra livre em casa. Não tenho ninguém que me venha fazer limpeza à casa. Às vezes faço eu uma limpeza. Quando ela cá vem e descobre a casa nojenta, dá-lhe uma limpeza. Ela usa o aspirador mais vezes que eu. Não tenho paciência para as limpezas. Só para limpar os livros. Que só eu posso limpar. Mesmo quando vivia em casa dos meus pais, os meus livros era eu que limpava. Quando fui casado, era o mesmo. Ninguém mexia nos livros. Ninguém mexe. Na verdade, ninguém quer mexer nos livros. Ninguém lê. Ninguém os quer limpar. Ninguém os quer ler. Eu leio. Eu limpo.
Quando anda muito pó cá por casa, afecta-me a respiração. Tenho ataques de bronquite. Nem o Trixeo me salva. Nessas alturas clamo SOS pelo Ventilan. Estou sempre salvo.
Coço a cabeça. Tenho sangue debaixo das unhas. Quando tenho muita comichão na cabeça e coço muito, às vezes faço sangue. Também tenho algumas crostas na cabeça. As pequenas feridas que faço também podem contribuir para a comichão. Mas há dias piores que outros. Hoje está a ser um dia de merda. Tenho muita comichão.
Ela não vem cá hoje. Está a trabalhar até tarde. Estou por minha conta.
Dispo-me e vou para a casa-de-banho. Ponho-me debaixo do chuveiro. Regulo a temperatura da água. Deixo-me estar aqui debaixo. Lavo a cabeça com Linic e depois deixo-me cá estar debaixo de água até gastar a água quente do cilindro.
Saio com os dedos engelhados e com frio. Seco-me com uma toalha velha. Esfrego bem o cabelo. Tento não pensar na comichão. Visto umas calças de fato-de-treino e uma t-shirt. Sinto fome. Vou até à cozinha. Abro o frigorífico.
Ponho-me a olhar para o interior do frigorífico. Sinto-me estranho. Olho lá para dentro. E pergunto-me O que é que estou à procura?
Estou a olhar para dentro do frigorífico mas não sei o que procuro. Estou a ver mas não sei o que estou a ver. Fecho a porta e choro. Choro à porta do frigorífico. As pernas tremem-me e apoio-me no frigorífico. Fico aqui parado um momento a chorar.
Limpo as lágrimas com as costas das mãos. Acendo um cigarro. Sento-me à mesa da cozinha. Agarro numa maçã. Esfrego-a na t-shirt e trinco-a. Fumo e trinco a maçã. Alternadamente.
Penso que estou sozinho em casa. Posso fazer tudo o que quiser fazer. Não me apetece fazer nada. Não faço nada. Fumo cigarros e como uma maçã.
Acabo de comer a maçã. Largo o caroço no cinzeiro. Acabo de fumar o cigarro. Apago-o. Suspiro. Coço a cabeça. Foda-se! Sinto comichão na cabeça. Coço. Coço a cabeça.

[escrito directamente no facebook em 2024/05/25]

O Ano Zero, capítulo sete

[continuação]

Passei a noite de olhos abertos. Ora olhava para ela, ora olhava para a entrada do supermercado. Ela dormiu descansadamente, como se estivesse em casa, deitada na sua cama, em cima do seu colchão, coberta pelo seu edredão, e fosse véspera de Domingo. Não sei se é Domingo, mas nas vésperas de Domingo ela dormia muito bem e profundamente e dormia até mais tarde. Estive atento a todos os ruídos durante a noite e não escutei nada que achasse preocupante. O supermercado continuou no sítio onde estava e da forma que estava. Não achei de achar estranho que ainda ninguém tivesse vindo a este centro comercial. Mas estava contente com a descoberta. E ainda nem tinha ido explorar o resto do centro comercial. Podia ainda haver coisas interessantes e úteis por lá.
Quando ela acordou, não ficámos na ronha como ficávamos antes, quando vivíamos na nossa casa e era Domingo. Novamente o Domingo. Nem sei se é Domingo ou não, provavelmente não é. Quando ela acordou, avançámos logo para o supermercado. Agarrámos dois carrinhos de compras e invadimos os lineares. Sentámo-nos no chão, na zona das tostas e bolachas e comemos tostas com manteiga. Bebemos um pacote de leite. Cheirámos o leite, primeiro. Estava bom. Bebemos um pacote de litro pelos dois. Comemos uma tablete de chocolate preto (para usar na cozinha) e depois recomeçamos a recolher comida. Andávamos lá descansados, a dançar com os carrinhos, a rodopiar, a correr, parecíamos dois putos.
Foi quando chegámos à zona dos frescos, que reparámos que a arca das carnes estava vazia. Assim como uma grande parte da zona dos enchidos. Mais tarde também haveríamos de perceber que as bebidas brancas e o vinho também tinham levado um grande desfalque. E foi então que percebemos que, afinal, não éramos os primeiros a entrar ali. Parámos. Deixámo-nos de brincadeiras e de fazer barulho. Ela ficou preocupada. Enchemos os carrinhos rapidamente sem procurarmos as coisas prioritárias. Foi tudo a eito. Enchemos os carrinhos rapidamente e levámos os carrinhos para o parque de estacionamento. No parque mudámos os produtos dos carrinhos para os sacos de plástico reforçado que tínhamos trazido e colocámos tudo às costas e no suporte nas bicicletas.
Estávamos a sair do parque de estacionamento quando ouvimos barulho de motores e só tivemos tempo de sair de cima das bicicletas e escondermo-nos atrás de um bloco de elevador em cimento. Vimos os carros a entrar no parque de estacionamento. Foi uma entrada barulhenta. Eram três carros e uma carrinha. Deviam vir à compras. Ficámos escondidos atrás do bloco de cimento. Vimo-los parar as viaturas e saírem delas. Reparámos que tinham armas com eles. Carregavam espingardas nas mãos. Se calhar, também pistolas à cintura, mas não as conseguíamos ver. Eu coloquei a mão sobre o martelo que trazia à cintura e senti uma enorme angústia. O que é que eu podia fazer com o que tinha contra o que via?
Eles entraram todos no supermercado e nós aproveitámos para sair do parque de estacionamento de bicicleta e com as compras às costas. Quando chegámos à rua, percebemos que havia mais carros deles parados lá em frente. Saímos das bicicletas e fizemos o caminho com as bicicletas à mão, cobertos pelo pouco lixo existente e pelos carros estacionados, alguns deles queimados e carbonizados. Quando já estávamos suficientemente longe, voltámos a montar nas bicicletas e demos gás de regresso à cave, a nossa casa.
Cada vez havia menos nuvens amarelas. Alguns daqueles tipos no parque de estacionamento já não usavam máscaras com filtro. A radiação estava a cair.
Pedalámos o máximo que conseguíamos para chegar o mais rápido possível. E, quando chegámos, já era tarde.
A porta da cave estava aberta e saía fumo lá de dentro.
Largámos as bicicletas e os sacos de plástico reforçado no chão, escondidos atrás de uma esquina. Agarrei no martelo e avancei com cuidado para a entrada da cave. Ela vinha atrás de mim. Entrámos lá dentro e havia lá vários focos de incêndio. Não vimos ninguém, embora houvesse sangue no chão. Olhámos um para o outro e pensámos o mesmo. Temos de ir embora daqui. Temos de ir embora e já. Corri para o meu canto, abri o pequeno armário e estavam lá as embalagens de Trixeo e os Ventilan. Agarrei-os todos. Olhámos em volta. Não valia a pena perder tempo ali. Saímos. Foi quando regressámos à rua que vimos que havia duas novas piras funerárias. Corpos novos a arder. E percebemos.
Ficámos ali parados por momentos. Estávamos inertes. Sem saber o que fazer. Bloqueados pelos acontecimentos.
Até que eu disse
Temos de ir embora.
Sim.
E é melhor irmos agora já.
Sim.
Voltámos às bicicletas. Abrimos os sacos e escolhemos comida. Um saco para cada um. Largámos o resto. Montámos nas bicicletas e arrancámos.
Ainda estávamos na cidade quando vimos uma moto caída no chão mas que parecia em condições. Parámos as bicicletas. Levantei a moto. Tinha combustível. Pu-la a trabalhar. Olhei para ela. Ela acenou com a cabeça. Largámos as bicicletas e montámos os dois na moto.
São seis da tarde e já saímos da cidade. Vamos para sul. Vamos ver o que é que encontramos. Vamos ver como é que a vida está lá para baixo. Mas já não espero nada de bom. Acho que desta vez, o fim foi mesmo o fim. Estamos a começar tudo de novo. Um renascimento através das cinzas. É um novo ano. O ano zero de uma nova existência.

[continua]

[escrito directamente no facebook em 2024/03/17]

O Ano Zero, capítulo cinco

[continuação]

Estou sentado a uma mesa junto com outras pessoas. Ela está ao meu lado. Estamos a comer uma espécie de papas. A comida é racionada. Quase toda são conservas. Já não como verduras há… Nem sei. Fruta ainda se vai comendo. Pêssego em calda. Ananás em lata. É o que há. Às vezes dou comigo a imaginar-me a comer uma sardinhada, ou um cozido à portuguesa. A comida sempre foi de especial importância na minha vida. Na nossa vida, minha e dela. Ambos gostávamos de comer bem. Ela é uma excelente cozinheira. Agora faz isto. É o que há. É o que se encontra quando vamos lá fora. E ainda está algum nevoeiro amarelo e não queremos afastarmo-nos muito daqui. Não sabemos bem como é que tudo isto está. Quem é que anda por aí.
Já estou melhor. Já me levanto e já tenho uma respiração mais tranquila. Desde que ela encontrou embalagens de Trixeo para a bronquite, tenho recuperado, aos poucos, a respiração. Já não tenho ataques de tosse. Mas os olhos ainda me doem. Devo ainda ter algum resto de febre. E a falta de óculos, não ajuda. Já me trouxeram óculos de uma farmácia, mas os que havia eram demasiado graduados e eu não conseguia ver nada com eles. Preciso de uns menos graduados, para ver a curtas distâncias. Quando sair, vou procurar uns óculos.
Ela disse-me que já estou quase bom e que na próxima saída leva-me. Temos uma escala de saídas. Saímos por grupos. Todos os dias. Duas vezes por dia. Todos os dias mudam os grupos. Para que todos possam contribuir e não serem sempre os mesmos sujeitos às radiações que ainda andam por aí. Pelo menos enquanto a nuvem amarela não desaparecer por completo, a radiação também não desaparece. Mas a nuvem já está mais rarefeita. Já se vê à distância. Eu já consigo ver a rua através de uma claraboia aqui da cave. No início não se via a ponta do nariz. Há quanto é que foi isso? Há quanto tempo é que aqui estamos? Viro-me para ela e pergunto-lhe
Há quanto tempo é que aqui estamos?
Já não sei. Meses. Talvez seis meses. Talvez um ano.
Eu tenho um relógio de corda. Um relógio antigo, herança do meu pai. Ainda trabalha. Todos os dias de manhã dou-lhe corda. Mas não tem calendário. Não sei quanto tempo passou. Quase ninguém deve saber. Se fizéssemos um esforço, conseguiríamos perceber há quanto tempo estamos aqui nesta cave. Se fizéssemos um esforço, conseguiríamos perceber há quanto tempo aconteceu o fim-do-mundo. Mas ninguém quer saber. Há questões mais importantes, mais prementes, mais necessárias. Agora o que importa é o presente, para conseguirmos chegar ao futuro. E o futuro é amanhã. É sempre amanhã. O passado não interessa. Pelo menos não agora. Talvez um dia, quando as coisas mudarem. Quando as coisas mudarem desta mudança. Agora o que interessa é comida e armas e coisas práticas para a sobrevivência em condições adversas.
Nunca pensei passar os últimos dias da minha vida a tentar sobreviver dentro de uma cave para fugir ao que foi um ataque nuclear. Diziam que as armas nucleares eram um meio dissuasor. Até que se tornou um meio de vingança. Quem perde diz Perdido por cem, perdido por mil. Se não é para mim, não é para ninguém. E depois é só carregar num botão. Num botão vermelho. Não sei se é vermelho, mas era o que se dizia. Que o botão do apocalipse era vermelho. E a história já não estará cá para julgar ninguém, nem os ímpios nem os inocentes. Acabamos por ser todos ímpios e inocentes. Porque deixámos as coisas correrem para isto. Não ligámos importância. Julgávamos que a história não se repetia. Julgávamos que o impossível não acontecia. E porque era sempre lá longe. Porque não era nada connosco. Não era nada comigo. Não era aqui. E todos nós cuidávamos da nossa vidinha, não era nada directamente connosco, era entre eles, e eles que se arranjassem. Até que passou a ser de todos. E agora queremos todos sobreviver.
Ela fala para mim
Não dizes nada.
Não tenho nada para dizer.
Não te podes fechar assim. Estamos todos juntos dentro de uma cave.
Eu sei o que é que ela estava a querer dizer. Isto onde estamos é uma caixa explosiva. Estamos todos muito sensíveis e com medo. Não nos podemos dar ao luxo de termos uma depressão, de nos isolarmos, de nos tornarmos um polo de desestabilização para os outros. Temos que estar bem por nós e pelos outros.
Eu sei. Não te preocupes.
Já te sentes melhor.
Sim.
Não tens tossido.
Não.
Amanhã vais à rua comigo.
Está bem.
A mão dela agarra na minha em cima da mesa. Ela olha para mim. Gosto dos olhos dela. E vejo-me neles. Estamos a tomar um banho de imersão juntos. É um acto difícil. Não cabemos bem os dois na banheira. Mas estamos a rir. Estamos bem dispostos. Rimos da situação. E acabamos a fazer amor dentro da banheira.
Olho para ela e gostava de estar dentro de uma banheira a fazer amor com ela. Estar dentro dela, mas lá, na nossa casa, na nossa vida. Ela sorri. Ela percebe o que eu estou a pensar. Aperta-me a mão. Eu sorrio-lhe de volta.
E ela diz
Gosto de ti.
Também gosto muito de ti.
E damos um beijo nos lábios. E eu percebo que temos os lábios secos e não sinto nada do que estava à espera de sentir.

[continua]

[escrito directamente no facebook em 2024/03/15]

O Ano Zero, capítulo três

[continuação]

Acordo com um ataque de tosse. Sinto falta de ar. Há várias semanas que não tomo o Trixeo, nem Ventilan nem qualquer outro medicamento para a bronquite. Tenho sentido falta de ar. Muita dificuldade em respirar, principalmente quando o ar, aqui dentro, está mais húmido e pesado. Preciso de ar fresco, mas acho que é coisa que não há. As pessoas que vão lá fora à procura de bens que nos possam servir, dizem que a nuvem amarela ainda anda por cá. Às vezes não conseguem ver um metro à frente do nariz.
Ainda nenhum deles tirou a máscara improvisada. Conseguiram encontrar um contador de radiação e o ar ainda está cheio de radiação. Vou ter de continuar por aqui. A respirar este ar viciado, cheio de frio e de vontade de ir para a rua, de voltar à praia, de mergulhar no mar, de passear de gaivota, de me estender numa toalha, de papo para o ar, a apanhar os raios quentes do sol e a tonificar o corpo. Até parece que sou um adepto do corpo trabalhado, das aulas de ginástica e dos ginásios. Não, não sou. Nunca fui. Nunca me viram a correr ao lado do rio como quase toda a gente da cidade. No máximo, viram-me a passear. Gosto do rio. Gostava. Gostava de passear ao longo do rio que cruza a cidade. Às vezes começava numa ponta da cidade e terminava na outra. Um dia fui das Fontes até à foz, na Praia da Vieira, de bicicleta. Fui com ela. Naquele tempo passeávamos muito pelos arredores da cidade. Fizemos amor nos campos do Liz. Íamos sendo apanhados por um agricultor de enxada na mão. Achou que estávamos a roubar o fruto do seu trabalho. Saímos de lá a pedalar rápido como nunca tínhamos pedalado, mas íamos a rir que nem dois adolescentes que escaparam de serem apanhados pelo professor a fazer coisas censuráveis. Nem ele era professor nem o que fizemos era censurável. Mas para algumas pessoas é. Também é por isso que estamos aqui hoje. Esta falta de compreensão com os novos tempos. Esta oposição doentia ao sexo, como se fosse uma coisa má de gente perversa. Esta mania de se meterem na cama dos outros. Não se pode fazer assim. Não se pode fazer assado. O sexo é para procriar. Metam-se agora na minha cama, se querem ver!
(tenho outro ataque de tosse)
Não me posso enervar. Calma… Calma…
Ergo-me na enxerga. Estar levantado, ajuda-me a respirar. Está menos gente hoje, aqui, na cave. Não a vejo. Devem ter saído. Ele deve ter ido, também. Espero que tenha cuidado. Não sabemos o que se esconde lá fora, na nuvem amarela, nas outras caves, em qualquer buraco onde as pessoas se puderam proteger.
(novo ataque de tosse)
Quando tinha bronquite, há muitos anos, quando era ainda o menino da minha mãe, sentava-me numa das cadeiras da mesa da sala de jantar, cadeira mais alta e mais rija, e eu ficava sentado mais alto e direito e equilibrava a respiração. Aqui não há cadeiras. Aqui temos as enxergas onde nos sentamos e deitamos. É cama e cadeira e sofá.
Tenho de me recompor. Não lhe quero dar tanto trabalho. Não quero dar preocupações a ninguém.
Respiro fundo. Aguento a golfada de ar, como se tivesse tomado uma bombada de Ventilan, e aguento o máximo que posso antes de expelir tudo. Talvez me consiga enganar. Talvez o meu corpo pense que tomei uma bombada de Ventilan e os brônquios se dilatem e recomece a respirar com mais facilidade.
Há um burburinho à entrada. Há gente a regressar do exterior. Vêm muito excitados. Estão a falar alto. O que é que dizem?
Levanto-me a custo. Apoio-me à parede e forço o meu corpo. Quando me consigo levantar, sinto uma pequena vertigem. Sinto falta de ar. A respiração está descompensada. Tento recuperar o ritmo. Descanso encostado à parede de cimento da cave. E então, vejo-a. Corre para mim. Abraça-me. Faz-me ter um ataque de tosse.
(e tenho outro ataque de tosse)
Ela desfaz o abraço, sorri-me e diz
Olha! e mostra-me uma embalagem de Ventilan.
Também encontrámos muitas embalagens de leite em pó. Foi uma boa manhã, esta. E tu? Como estás? Estás melhor?
Hei-de ficar.
Ela passa-me o Ventilan e eu mando duas bombadas. E sinto-me renascer. Continuo com frio. Puxo o cobertor mais para mim. Ela abraça-me, e diz
Vais ficar bom.
Sim, vou.
Depois vais à rua comigo.
Sim, quero ir à rua.

[continua]

[escrito directamente no facebook em 2024/03/13]

Dias de Sol

Os piores dias são estes, de sol cheio pendurado no azul celeste. O calor que entra pelas portadas abertas das janelas e o canto dos pássaros que se tornam uma orquestra monumental a perfurar-me o cérebro. Tanta alegria enjoa-me.
Imagino as famílias a fazerem farnel para o piquenique nos pinhais a caminho da praia. Também eu já fiz muitos desses piqueniques familiares. A mala-térmica com bebidas frias, a cerveja e a Coca-Cola, a fruta sumarenta, as uvas, as rodelas de ananás, as nêsperas. Depois, acomodados num cesto de vime, um arroz de miúdos, uma feijoada feita de véspera, um cozido à portuguesa. A malta tratava-se bem. Armavam-se as mesas de pvc e alumínio, criadas de propósito para estes propósitos, as cadeiras mini, a manta no chão, uma bola de futebol, uma rádio a transmitir música popular e, mais tarde, depois da sesta debaixo das braças dos pinheiros, o relato da bola, o Benfica, o Sporting, o Porto, é golo, é golo, é golo! Antes dos grandes incêndios, também se faziam sardinhadas nos parques de repouso, com mesas de pedra ou madeira, uma churrasqueira de tijolo e cimento que se destacava no meio de todo o verde, e que tinha de se deixar como se tinha encontrado, o bem público é de todos para todos, grupos de amigos a beberem cerveja fresca, a cantarem canções dos seus gloriosos anos de juventude e a lareira a queimar carvão para fazer brasas e assar as sardinhas, ainda não é tempo delas, mas já se encontra nos hipermercados, não é grande coisa, claro, é seca, espapaçada, mas serve para o ritual, um tacho a cozer batatas, os pimentos a estalarem ao lado das sardinhas, amigos de longa data, mas agora não, agora as sardinhas comem-se em casa, é preciso minimizar danos, o tempo não está para riscos, e qualquer fagulha pode levar a um crime ambiental e destruir aquilo que é de todos. Os incêndios dos últimos anos tiraram estas áreas de lazer a quem gosta de se deitar à sombra no meio do mato, a ouvir o murmurar da natureza e a recuperar forças para mais uma terrível Segunda-feira.
Tenho saudades desses tempos, do meu fascínio pelas pequenas cobras-de-água que deslizavam pelos ribeiros no meio do pinhal e do medo da minha mãe que queria saber sempre onde é que eu estava, de rissol de peixe na mão, a observar um bicharoco qualquer, enquanto esperava pela chamada para o almoço sentados naquelas mesas em miniatura de que eu tanto gostava. Parecia que, por uma vez, o mundo estava à minha dimensão.
Agora, os piores dias são estes. Já não há piqueniques. Já não há feijoada nem cozido à portuguesa. Agora estou metido aqui dentro de casa, mal consigo abrir os olhos entre um espirro e outro e os vómitos que a expectoração, este muco que anda aqui, para cima e para baixo, me vai produzindo cada vez mais intensamente, até eu terminar ajoelhado junto à sanita a deitar fora uma panela fervilhante de uma pasta mucosa, esverdeada, que me deixa os pulmões aliviados por breves momentos, mas que logo voltam a estar completamente atulhados. Tudo isto me cansa e dificulta a respiração. Tomo o Trixeo mas tenho de recorrer ao SOS do Ventilan, e nenhum dos dois chega. É difícil respirar. Tenho de manter o tronco elevado e direito. Opto por estar sentado nas cadeiras da cozinha em vez de na cama onde, com certeza, devia estar. Tomo um Antigrippine com chá de limão e uma colher de mel do produtor. Enfio também um Ben-U-Ron. Dói-me a cabeça. Dói-me a caixa-torácica. Os ouvidos estão barulhentos. O nariz colecciona estalactites. O corpo treme. Falta-me o ar. Tenho fome mas não consigo comer. Gostava de chupar uma laranja. Olho para a fruteira e para as laranjas lá repousadas. Olho para a gaveta das facas, ao fundo da cozinha. E espero que o destino faça algo por mim. Mas não me levanto. Continuo aqui sentado, na mesa da cozinha, enquanto lá fora, este dia convidativo estará a encher a marginal de Nazaré de gente a correr para os gelados, as sardinhas antes de tempo e as caldeiradas. Os pinhais estarão desertos porque nem pinheiros agora têm. Não há mais piqueniques nem mantas no chão nem sestas ao fresco da natureza. Não há mais nada. Só memórias. E também elas se irão desvanecendo com o tempo. É inevitável.

[escrito directamente no facebook em 2023/04/22]

Está a Acontecer, Agora?

Deu o Benfica. Tentei ver mas não consegui. Ainda bem que não consegui ver. Uma miséria, segundo parece pelo resultado. Não conseguia abrir os olhos. E ainda não consigo. Tenho os olhos inchados. Os glóbulos oculares parecem rijos e magoam-me. Tenho dificuldade em respirar. Já mandei várias bombadas de Ventilan. Já tomei o Trixeo. Nada me faz efeito.
Pergunto-me se é hoje que deixo de respirar.

Vim para a cama. Encostei-me a uma almofada. Os olhos fechados. O som da televisão ligada lá dentro na sala chega-me aos supetões. Umas vezes tento perceber como decorre o jogo. Mas depois desligo. Estou nervoso comigo. Não estou em pânico, mas estou nervoso. Respiro de boca aberta e não tenho espaço suficiente nos pulmões para lá injectar o ar. É difícil. Estou à espera de começar a ver pedaços da minha vida passada. Não é assim que se passa? Como num reality show televisivo? As melhores imagens do participante antes de ser expulso da casa?
Viro-me para o lado e pergunto Queres jogar xadrez?
Eu não o vejo, mas sei que ele está aqui, ao meu lado, à espera. E ele ganhava-me no xadrez com uma perna às costas. Nunca fui grande jogador. Aliás, nunca fui grande merda em coisíssima alguma. Sou o retrato da mediania. Da parte de baixo da mediania. Não deixo cá nada de relevante. Não levo nada de relevante. Foi uma passagem sem história.
Ámen.

Se tiver de ir para o hospital, como é que faço? Consigo telefonar para o cento e doze? Consigo falar? Tento abrir a boca e produzir palavras e só me saem grunhidos. Não consigo falar. Conseguirei ir a conduzir o carro? E onde é que está, o carro?
Foda-se! Onde é que está o carro?
Ah, está na garagem!

Estou quente. Tenho a cara a arder. Estarei outra vez com Covid? Sou assim tão lingrinhas?

Estou cansado. Queria deitar-me para baixo e deixar-me adormecer. Mas tenho medo de ser pior ficar deitado. Deitado ainda é mais difícil respirar. Vou continuar sentado e talvez consiga adormecer aqui, assim.

Comecei a pensar em Madrid. Nas várias viagens que lá fiz para ir ao Prado, ao Reina Sofia, para me perder no Matadero, na Chueca.
Será que é agora? Será que está a acontecer?…

[escrito directamente no facebook em 2023/04/19]

Sinto Falta de Ar

Estou à entrada de casa, encostado à ombreira da porta da cozinha, e olho lá para fora. Há uma aragem que ajuda a espalhar estes pólenes que me estão a dificultar a respiração. Pareço ter os pulmões cheios. Não consigo lá levar muito ar. Nem consigo aguentá-lo lá por muito tempo. Entra e sai. Rápido. Apito. Incomoda-me o apito. Pareço ter uma sanfona no peito. Irrita-me e envergonha-me quando estou com outras pessoas. Não é o caso agora. Estou sozinho. Não me envergonho pelo barulho que faço ao respirar, mas incomoda-me. Dá-me cabo dos nervos. E quanto mais nervoso, com mais bronquite. As desgraças alimentam-se umas às outras.
A noite já caiu. O tempo arrefeceu. Já vesti um casaco de algodão. Tirei os calções que usei durante o dia e vesti umas calças de fato de treino, mais quentes. Já estou arrependido de ter arrumado as sweat-shirts. Ainda vem aí muito frio. E chuva. Mas todos os anos é assim, não é? Todos os anos penso o mesmo. Que o Verão chega quando chega a Primavera e o que acabo por perceber é que o Inverno não se vai embora com a chegada da Primavera. A promiscuidade entre as estações do ano leva-as a anularem-se, umas vezes, a e conviverem, outras vezes. Agora está tudo a acontecer ao mesmo tempo. É Primavera, Verão e Inverno, no mesmo dia. E isso dá cabo de mim e da minha bronquite. Parece que começo a respirar pelo estômago e a barriga incha. Os pulmões trocam com o estômago. Os pulmões deixam de funcionar, ou funcionam mal.
Entro para dentro de casa e fecho a porta da cozinha. Ando às voltas pelas divisões.. Não sei o que fazer. Não tenho paciência para fazer nada.
Vou deitar-me. Coloco uma almofada alta para poder ter a cabeça mais levantada que o corpo. Tomo duas bombadas de Trixeo. Devia prender a respiração por quinze segundos, mas não consigo. Assim que disparo a bomba, volto logo a deitar tudo fora.
Deito-me. A cabeça elevada. Viro-me para um lado. Viro-me para o outro. Não consigo respirar. Levanto-me e sento-me na cama. Agarro no Ventilan e também faço dois disparos. Não consigo prender a respiração mas sinto que vai mais fundo em mim. Sinto-me acalmar um pouco.
Deixo-me ficar sentado na cama. As costas nas almofadas. Começo a respirar melhor. Já não apito tanto. Mas deixo-me ficar assim, sentado na cama. Sinto-me adormecer.
Já devo ter adormecido. Tudo me parece irreal. Estou não-sei-onde. A fazer não-sei-o-quê. Estou a respirar, tão bem como se já não tivesse bronquite. E se calhar não tenho mesmo. Ou então, estou mesmo a dormir. Se calhar, a sonhar. E que raio de conversa é esta? O que é que estou a dizer? A escrever? Isto interessa a quem? Que porra, pá!
Começo a tossir. Começo a tossir e sinto-me despertar. Estou sentado na cama. Volto a ter dificuldade em respirar. A tosse fez voltar tudo ao início. Tento voltar a prender a respiração, como um placebo. Para tentar acalmar. Recuperar a respiração. Não maldizer a minha vida. Mas não me sinto muito optimista.

[escrito directamente no facebook em 2023/04/08]

A Carta-Registada

Sou acordado pela buzina da motorizada do carteiro. É raro ele chamar-me. Deve haver uma razão. Algo de muito importante deve ter acontecido. Quem morreu?
Que trágico. Sempre a pensar o pior.
Afasto o edredão e levanto-me a custo da cama. Estou nu e fico com frio. Sinto a pele a arrepiar-se. Pele de galinha, costumava ela dizer, quando dizia coisas. Agora não diz nada. Está calada. Está calada há cinco anos.
Visto as calças de fato-de-treino, uma camisola de algodão e calço uns chinelos. Esfrego os olhos. Vejo tudo desfocado. Passo pela casa-de-banho e lavo a cara. Bochecho água para tirar o sabor empastelado que tenho na boca. Devia lavar os dentes. Mas ainda não bebi café. Nem comi nada. E tenho de tomar o Trixeo antes de lavar os dentes. Assim está bom.
Saio pela porta da cozinha para o alpendre e agarro no maço de cigarros ao sair. Acendo um. Cruzo o quintal e desço a alameda. O carteiro está ao fundo, do outro lado do portão, na estrada. Ouço o barulho da motorizada a trabalhar ao ralenti.
Abro o portão e saio. Aproximo-me do carteiro. Estendo-lhe o maço de cigarros. Ela aceita e acende um cigarro. Devolve-me o maço. Depois estende-me um envelope. Carta-registada. Uma carta-registada vindo directamente da Câmara Municipal. Assino o registo. Não fico agradado com aquela surpresa matinal. O carteiro está a fumar o cigarro e parece que está à espera que eu lhe diga o que é. Não lhe vou dizer. Não vou abrir o envelope aqui.
Eu digo-lhe Vem lá chuva. Ele diz Sim.
Eu mando fora o resto do meu cigarro. Viro as costas ao carteiro para me ir embora e levanto-lhe o braço numa despedida. Ouço a motorizada continuar a trabalhar ao ralenti. Páro antes de entrar pelo portão. Abro o envelope. Na verdade rasgo-o. Desfaço o envelope para o abrir. E vejo o papel que lá vem dentro. Não fico contente.
Digo alto, sem me virar Uma multa de estacionamento. E ouço-o dizer Uma merda.
Entro pelo portão e fecho-o nas minhas costas. Começo a subir a alameda. Ouço a motorizada a ir embora. Percebo as mudanças. Quando estou a chegar ao quintal já não a ouço.
Ao passar pela churrasqueira amachuco o envelope rasgado juntamente com o papel da multa e mando tudo lá para cima. E entro em casa.
Estou na cozinha. Hesito em ir tirar um café. Talvez um chá?
Encho a chaleira com água. Ligo-a. Procuro na despensa por um chá. Descubro uma latinha de metal que trouxe dos Açores, de São Miguel, numa visita ao Chá Gorreana. Não sei do que é. Já não tem a etiqueta. Se calhar já não são as folhas originais. Se calhar já lá enfiei outras. Mas o quê? Que se foda. Vai mesmo isto.
A chaleira desliga. Coloco a água numa chávena. Coloco as folhas dentro de uma bola de alumínio com uma corrente e ponho a bola dentro de água.
Levo a caneca comigo para o quarto. Sopro para a água quente. Dispo-me. Enfio-me de novo na cama. Agora a cama está fria. Fico outra vez com pele de galinha. Viro-me para o outro lado. Ela continua sem falar. Já lá vão cinco anos. E acho que adormeço.

[escrito directamente no facebook em 2023/02/14]

Horário da Véspera

07:00’ Acordo sozinho na minha cama de sempre. Não preciso de despertador. Acordo sempre à mesma hora.
07:30’ Faço o pequeno-almoço. Invariavelmente, torradas com manteiga, às vezes com um bocado de fiambre ou queijo quando há. Hoje não há. Faço café fresco. Café de saco. Tomo o Ramipril e o Flutensif. Dou duas bombadas de Trixeo. Lavo os dentes.
08:00’ Tomo banho. Um duche rápido para não gastar a água toda do cilindro. Visto uma roupa simples, de andar por casa.
08:30’ Vou ao alpendre. Fumo o primeiro cigarro do dia. Dou de comer ao cão e aos gatos. Fumo o segundo cigarro. Dou a volta a casa enquanto fumo. Vem lá chuva.
09:00’ Penso no que irei fazer no resto do dia.
13:00’ Não fiz nada durante toda a manhã. Agora frito um hambúrguer congelado do Lidl e torro um pão da avó de ontem. Como o hambúrguer no pão da avó. Ponho piri-piri e mostarda Paladin sobre o hambúrguer. Também colocava uma fatia de queijo flamengo se houvesse. Não há. Bebo um copo de vinho. Como uma maçã. Bebo mais um pouco do café da avó feito de manhã.
13:30’ Lavo os dentes. Dou outro passeio à volta da casa. O cão e os gatos acompanham-me. Afinal não choveu. Faz sol. Um sol tímido. Não está frio.
14:00’ Espero que aconteça alguma coisa.
20:00’ Não aconteceu nada.
20:05′ Aqueço o frango do Pingo Doce no micro-ondas. Coloco batatas-fritas da Matutano numa tigela. Encho um copo de vinho e deixo o resto da garrafa em cima da mesa. Encontro umas azeitonas no frigorífico. Enquanto o frango aquece no micro-ondas, dou cabo das azeitonas e do copo de vinho. Encho outro copo. O micro-ondas toca. Como o frango à mão. Como o resto das batatas-fritas. Bebo o resto da garrafa de vinho. Arroto.
21:00’ Dispo a roupa e visto umas calças de fato-de-treino e uma t-shirt velha. Sento-me frente à televisão. Coloco o telemóvel na mesa de apoio.
21:30’ Abro outra garrafa de vinho. Fumo um cigarro.
22:00’ Penso se já terá acontecido a Missa do Galo.
22:30′ Olho para o canto da sala, onde há muitos anos estava uma árvore de Natal verdadeira, apanhada no pinhal, e o presépio feito com musgo. Agora está lá um vaso com umas plantas verdes.
23:00’ Penso no que poderei fazer amanhã.
23:30’ O telemóvel recebe uma mensagem. É da Protecção Civil. Diz Chuva forte na sua região nas próximas 24 horas. Risco de cheias e inundações. Proteja-se.
24:00’ É meia-noite. Desligo a televisão. Vou para a cama. Deito-me e digo Este ano foi assim, para o ano logo se vê! Feliz Natal. Fecho os olhos.

[escrito directamente no facebook em 2022/12/24]