Assassinos com Honra

Cheguei a casa e eles estavam à entrada, ao pé do portão, junto ao muro. Uma gata, preta, brilhante, e seis gatinhos que deviam ter nascido alguns minutos antes. A gata miou para mim quando parei o carro antes de entrar o portão e subir a rampa até casa. Olhei-a. Senti-me mal. Lido mal com estas situações. Não sei o que fazer mas sei que devia fazer qualquer coisa. A gata era lindíssima. Os gatinhos muito pequeninos. Estavam espalhados por ali. Mas ela controlava-os enquanto miava para mim. Acabei por fugir dali com o carro.
Na manhã seguinte saí de casa a pé para ir ao café. Tinha-me esquecido dos gatos. Foi quando cheguei ao portão que voltei a vê-los. Mas só os que restavam. Dois gatos pequeninos. Um preto e um castanho-amarelado. Miavam muito. O castanho-amarelado subia e descia sobre o outro que não se mexia. Parecia morto. Mas não estava. Da gata e dos outros quatro gatinhos, nem sinal. Havia uma tacinha com um pouco de leite que alguém devia ter lá deixado para os gatos. Mais ao lado o cadáver de uma ratazana que a gata deve ter morto.
Deixei lá os gatinhos. Ia ao café. Quando voltasse, se ainda lá estivessem, logo se veria o que iria fazer. Mas pensava no porquê de estarem ali aqueles dois gatinhos. E só pensava que iam morrer. Que a gata os tinha deixado ali para morrer. Que eram fracos demais para sobreviver num mundo difícil e complicado. Abanei a cabeça. Não gostava de pensar nestas merdas. Deixavam-me triste. Deprimido.
Tentei pensar noutras coisas. No Benfica. Em raparigas boas a comerem meloas. Nas férias que não tive e gostaria de ter tido. Mas, invariavelmente, acabava por lá voltar. Os gatos. Os cabrões dos gatos. O preto e o castanho-amarelado. A miar. Dava por mim a sorrir. Que porra. Deprimido e a sorrir. Logo eu que nem gosto de gatos. Por vezes não consigo compreender-me. Não me entendo. Sou um mundo de contradições. Desejos e vontades antagónicas. Um chato do caralho.
No regresso não encontrei nada. Nem os gatinhos, nem a tacinha com o resto de leite nem a ratazana morta. Tudo desaparecido. Teria sonhado?
Quando entrei em casa ela lançou-se-me nos braços e disse Temos dois gatinhos cá em casa. Pode ser, não pode? Pode? e levou-me pela mão até ao alpendre e mostrou-me um caixote e lá dentro um gatinho preto e um castanho-amarelado. Ambos a miar. A miar como o raio. Que chatos! Mas disse Claro que sim, e sorri-lhe.
Depois disse Ninja e Ronin. O quê?, perguntou-me. Os nomes do gatos. Escolho eu o nome dos gatos. Ninja e Ronin. Assassinos japoneses. Mestres da arte de matar. Em silêncio. Na sombra. Mas com honra. Para matarem as ratazanas que andam por aí. Ela mandou uma gargalhada e disse Às vezes pareces mesmo um anormalzinho do caralho. E eu disse Sim, eu sei.

[escrito directamente no facebook em 2018/08/17]