Eu Vi o Mangkhut Matá-la

Eu vi aquilo a acontecer. Os vidros a estilhaçarem e a espetarem-se nela. A janela a partir-se e os vidros a rebentarem em mil-e-um pedaços mortais que se espetaram na cara, no corpo, na cabeça.
Era só sangue. Sangue e água da chuva. E pedacinhos cortantes de vidro.
Eu sabia que o Mangkhut estava a chegar lá, a Macau. Chamei-a pelo skype. Queria saber com é que ela estava. Ela atendeu e vi, atrás dela, a janela com fita-adesiva em X, a proteger os vidros do vento e da chuva. Dos excessos de vento e chuva do Mangkhut.
Não estávamos há muito tempo à conversa quando vejo, atrás dela, as janelas a rebentarem, os vidros a estilhaçarem, ela a virar-se para trás e a ser alvejada pelos mil-e-um pedaços de vidros cortantes.
Vi-a virar-se, levantar-se e ser projectada através da sala. Vi riscos de sangue a cruzar o espaço e a deixarem marcas de Pollock por todo o lado. Vi pedaços de vidros, como balas, a espetarem-se nas paredes da sala, a baterem no ecrã do computador, como se me quisessem atacar a mim, à distância de milhares de quilómetros tornados ali-mesmo-ao-lado através da magia da comunicação. Vi o Mangkhut entrar dentro de casa através da água da chuva e do vento e destruir tudo.
Enquanto ela estava agonizante caída no chão da sala e a tempestade destruía tudo lá dentro, eu sentia-me privilegiado pela distância segura de meio mundo e, ao mesmo tempo, de estar no olho-do-tufão através de um computador que sobrevivia, milagrosamente, à intempérie e uma ligação via skype que se mantinha contra todas as adversidades e expectativas.
Gritei. Gritei muito para o meu computador aqui, deste lado do mundo. Para fazer eco lá. Para que ela me ouvisse. E dissesse que estava bem. Que não me preocupasse. Que nos voltaríamos a encontrar pelo Natal.
Mas tudo o que vi foi o corpo dela tombado no chão, repleto de manchas vermelhas que se tornavam cor-de-rosa com a força da água. E o silêncio dela em contraste com o barulho da tempestade. E a quietude dela em contraste com a agitação daquele furacão ou lá o que era.
Baixei a tampa do meu computador e deixei-me morrer.
Enfiei-me na cama e cobri a cabeça. E comecei a enumerar os jogadores do Benfica.

[escrito directamente no facebook em 2018/09/16]