Os Fins-de-Semana Irritam-me

Acordei cedo e pus uma máquina de roupa a lavar. Há que aproveitar os dias de sol no estendal.
Liguei a torradeira para preparar o pequeno-almoço. Depois, sentei-me no sofá e liguei a televisão para saber as últimas notícias. Mas a televisão não ligou. O led de stand-by não estava lá. Não havia energia. Porra.
Fui ao quadro eléctrico procurar as razões. Nenhuma. Desliguei o disjuntor e o quadro. Depois voltei a ligar o quadro, o disjuntor, e fui à rua carregar no botãozinho cinzento do contador e… nada.
Primeiro pensamento Cortaram-me a energia, os cabrões, mas não tinha nenhuma conta em atraso.
Liguei para a Companhia Eléctrica e rezei que me atendessem rápido que o telemóvel estava a ficar sem bateria.
Tive sorte. Uma assistente, daquelas a sério que até diz o nome e tudo, que esqueci logo a seguir, perguntou-me o que é que pretendia e mandou repetir todos os passos que já tinha feito. O quadro. O disjuntor. O contador. Nada.
Vai mandar um piquete. Vai estar alguém em casa? Claro, respondi. E dentro de quanto tempo, mais ou menos? Até me ri da pergunta, e ela respondeu Isso não lhe posso dizer, mas tem de estar alguém em casa. Está bem, eu espero, disse e o telemóvel morreu.
Sentei-me na cozinha e acendi um cigarro. Olhei para a máquina de lavar, com a roupa presa lá dentro, no meio de um monte de espuma e cheia de água. Acabei o cigarro e fui à torradeira buscar o pão que acabei por comer duro, com um pouco de manteiga, e bebi uma garrafa de água com gás. Era o que tinha lá em casa.
Voltei a acender outro cigarro. Olhei à minha volta. Não podia tomar banho, que a caldeira era eléctrica. Não podia fazer almoço que o fogão era eléctrico. Não tinha café que a máquina também estava ligada à corrente. O telemóvel morrera. O tablet, também. O computador, seguiu-lhes os passos. A televisão…
Peguei num livro, mas não conseguia concentrar-me.
Voltei para a cama e deixei-me por lá estar deitado, no quentinho, à espera de não adormecer, até que o piquete batesse à porta.
Já era de noite quando acordei.
Sem telemóvel, sem tablet, sem computador, sem fogão, sem caldeira, sem comer, sem café, sem tomar banho… Com uma fome dos diabos e a casa às escuras.
Levantei-me furioso. Fartei-me de gritar asneiras para o ar. Dei dois murros na parede e logo me arrependi que me aleijei bastante e as mão ficaram a doer.
Com alguma dificuldade a mexer as mãos, vesti-me. Calcei-me. Peguei nas chaves de casa e lancei-as, com fúria, para cima da mesa da cozinha, junto do telemóvel. Decidi mudar de vida. Para quê estas chatices? Tudo tem regras, tudo obedece a ordens e depois, depois estas empresas funcionam como querem. O raio que as parta, gritei para o tecto.
Saí de casa. À espera de não voltar. Pelo menos enquanto continuasse furioso e com vontade de destruir o mundo que me irrita aos fins-de-semana.

[escrito directamente no facebook em 2017/11/11]