O Melhor de Nós

Fiquei a olhar para aquela praia tropical. Água límpida, translúcida. Um ondular suave, de embalo. Ao fundo, as palmeiras descaídas pelo vento sobre o mar. E o céu azul, azul.
É claro que este calor em Outubro não é normal. Percebe-se que toda a gente tenha ido para a praia. Que toda a gente tenha colocado fotografias de praia no Facebook. É preciso mostrar o melhor de nós. O nosso melhor perfil. As nossas escolhas. O glamour da nossa vida. Valha-me Deus!
Então, peguei naquela foto e coloquei-a no meu mural do Facebook. E escrevi O que Outubro me trouxe. Ainda mal tinha acabado de lá colocar a foto, já alguém estava a clicar um Like. Boa.
Ia continuar à procura de belas imagens para tornar a minha vida digital tão glamorosa quando apareceu a mensagem End Credit sobre o ecrã.
Levantei-me da cadeira, peguei nos vários sacos de plástico que trazia comigo e saí do cyber café.
Na rua comecei a caminhar para a baixa da cidade quando pisei uma pequena poça de água que saía de um algeroz e senti o pé molhado. Levantei o pé e reparei que a sapatilha tinha um buraco na sola e por isso tinha molhado o pé. Sentei-me no lancil do passeio. Procurei nos sacos de plástico e acabei por descobrir um jornal velho. Retirei uma folha, dobrei-a várias vezes e coloquei-a a meu lado. Depois descalcei a sapatilha e coloquei a folha de jornal lá dentro. Voltei a calçar a sapatilha e senti-me muito melhor. Muito mais confortável. Levantei-me e continuei em direcção à baixa da cidade.
Mais tarde, numa rua cheia de confusão, de gente que circulava apressada pelos passeios e de carros que queimavam o asfalto, encontrei uma boa parede junto a uma pastelaria bastante frequentada e sentei-me no chão, lá encostado. Ajeitei os sacos de plástico junto a mim. Retirei um pequeno boné e coloquei-o no chão, à minha frente. Meti a mão ao bolso das calças e descobri algumas moedas de vinte cêntimos que atirei lá para dentro.
Pensei que com um pouco de sorte conseguiria comprar um pão dos grandes, um pacote de vinho e, se sobrasse alguma coisa, amanhã poderia ir procurar imagens do Blade Runner 2049 e colocá-las no meu mural do Facebook. Sim, a minha opinião seria de um grande filme. Já tinha decidido.
A minha vida real poderia ser uma merda, mas a virtual era tão boa como a de qualquer outra pessoa.
Encostei-me à parede e esperei, enquanto ia saboreando aquele cheirinho a bolos acabados de fazer que, cada vez que alguém abria a porta, me inebriava.

[escrito directamente no facebook em 2017/10/08]