O meu pai sentava-se à cabeceira da mesa, a minha mãe à direita, eu à esquerda e a minha irmã à direita da minha mãe que a mesa não era quadrada, era rectangular, e a outra cabeceira ficava longe, ao fundo, a mesa era comprida, mas a minha mãe ocupava toda a mesa com as iguarias da noite.
O jantar era, invariavelmente, bacalhau com grão, batata cozida, ovo e couve portuguesa. A minha mãe não fazia mais nenhum prato para o jantar, nem polvo, nem peru, só mesmo o bacalhau. Havia outras coisas para petiscar. Pastéis de bacalhau, rissóis de peixe, croquetes, ovas, atum desfiado envolvido em maionese, rabanadas, coscorões, filhoses, arroz doce, mousse de chocolate, o bolo das cerimónias e, no centro da mesa, o bolo rei comprado na pastelaria Haiti, o melhor da cidade. Mais tarde a minha mãe haveria de se render ao bacalhau com natas mas, nessa altura, o meu pai já cá não estava.
Hoje já cá não está ninguém.
Só eu.
Sento-me à cabeceira da mesa, na mesa da cozinha, uma mesa também rectangular mas bem mais pequena que a da minha mãe que até tinha um acrescento para aumentá-la ainda mais e que era utilizado nestes dias. Agora não há ninguém à minha direita nem à minha esquerda. Agora estou sozinho na mesa. Bebo um copo de vinho de uma garrafa barata que irá ser despejada rapidamente. Agora como frango assado do Pingo Doce, que são os mais baratos. Começo pelas asas e depois as pernas. Guardo as coxas para outras refeições, talvez a acompanhar uma couve cozida. Já não há iguarias feitas pela minha mãe. Os croquetes e rissóis, que às vezes como, compro-os congelados no Lidl. Não tenho doces. Às vezes compro uns sonhos mas, este ano, nem isso. Nem me lembrei. Nem é pelo preço, e não são baratos. Não sou grande apreciador de doces e esqueci-me. Acabo a rematar a noite com um bagaço ou outro e um café da avó.
Há uns anos via televisão no resto da noite. Lembro-me da televisão estar ligada nas noites de Natal com os meus pais. Era um ruído de fundo. Ninguém lhe ligava. Ela estava para ali, a falar para o boneco, enquanto nós, sentados à mesa, comíamos, bebíamos e conversávamos. Depois do jantar íamos abrir as prendas. Hoje já não tenho prendas. Na noite de Natal a minha mãe deixava-me beber sumos de laranja com gás. Tenho saudades das suas proibições.
Sentado sozinho na mesa da cozinha, ouço as noites do passado. Vozes altas. Risos. A alegria, na manhã seguinte, ao rever uma prenda já mal percebida na noite anterior, carregado de sono. Naquela altura tinha uma, duas prendas. Às vezes três. E elas duravam-me. E eu ia gastando-as com o tempo.
Olho em volta da mesa, em volta de mim, em volta do silêncio instalado e não há gente, nem barulho de conversas, nem prendas, nem alegria.
Hoje só cá estou eu e estou em silêncio. Acho que mais tarde vou ver Do Céu Caiu uma Estrela do Frank Capra.
[escrito directamente no facebook em 2021/12/24]