A Vida como Ela É

Eu fui ao Web Summit de Lisboa em Novembro de 2017. E fui mais por causa dela. Tem uma start-up de uma coisa que não entendo muito bem o que é, mas que já está avaliada em vários milhões de euros. O futuro sorri-lhe. Mas eu é que tive de pagar as entradas.
Não consegui foi aguentar tanto digital e virtual e futurista e algoritmo e IA e acabei por sair antes ainda de revelarem os vencedores deste ano. Não sabia ainda se ela tinha ganho.
Acabei então por sair e ir consumir um pouco de analógico e fui ler um livro para ao pé do rio. Sentei-me na sua margem e deixei-me evadir por entre as páginas amareladas que me contavam a estória de uma família disfuncional, onde o pai sai de casa da mãe e leva os dois filhos para recomeçarem a vida noutro lado. E cedo descobrem que a sua disfuncionalidade os acompanha, que o problema nunca esteve no passado e na relação, ou seja, no outro, mas sempre no presente e em cada um deles. Enfim, a vida como ela é. Tenho de deixar de ler estes livros que me deixam deprimido. E, para tal, já me basta a própria vida. Vou voltar ao universo inócuo da Disney. Preciso que o mundo se torne cor-de-rosa e me beije, e acarinhe, e me diga que eu sou único e especial.
Larguei o livro ali pela margem à espera que servisse a alguém mais compreensivo que eu.
Entrei num café com wi-fi. Pedi um gin qualquer da moda com muitas coisas perdidas lá dentro a boiar mas que não sei nomear e liguei o iPad.
No Facebook não se falava de outra coisa que não do Web Summit. Ela não ganhou.
E, de repente, no feed de notícias, uma fotografia chamou-me a atenção. Uma fotografia de alguém a ler um livro nas margens de um rio. Observei a fotografia durante algum tempo e achei nela alguma familiaridade, quando percebi que era eu próprio, sentado à beira rio, a ler o livro que por lá deixei, apanhado pela câmara de alguém que o depositou na rede social e cujo algoritmo se encarregou de me entregar.
Assustei-me com a pequenez que o mundo revelou. Assustei-me ser encontrado por quem não quero. Assustei-me que haja pessoas a ver fotografias minhas e a fazer juízos de valor através de uma imagem de um momento muito específico.
Cada vez gosto menos de pessoas. E agora também não gosto do algoritmo.
E nunca mais voltei a casa dela. Não quero saber nada da sua start-up. E fui roubar um livro numa grande superfície. Afinal gosto de ler estórias sobre a vida como ela é. É que me parecem muito mais reais que a minha própria.

[escrito directamente no facebook em 2017/11/09]

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